A outra face dos precatórios
Muito além das investigações sobre desvios de verbas no TJ-RN, existem pessoas esperando a satisfação do seu direito
Maiara Felipe
Maiarafelipe.rn@dabr.com.br
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Evalker Brito questionou na Justiça, em 2003, cobrança indevida de taxa de iluminação pública. Até hoje aguarda pagamento de indenização. Foto: Eduardo Maia/DN/D.A Press |
"Eu fiquei muito triste e apreensivo quando a ministra [Eliana Calmon] afirmou que existiam bandidos de toga. Se é verdade isso com os desembargadores, vai ser uma comprovação do que ela falou". A declaração é de Evalker Cavalcante de Brito. Ele não é advogado, juiz, ou tem qualquer profissão relacionada ao Poder Judiciário. Evalker é um pequeno empresário, dono de uma padaria em Ponta Negra, e pode-se dizer que foi prejudicado pelo poder público por duas vezes. A primeira quando se sentiu lesado pela Taxa de Iluminação Pública (TIP) cobrada pela Prefeitura de Natal. Essa foi fácil de resolver. Entrou com uma ação na Justiça e saiu vitorioso no mesmo ano, com uma indenização a receber do Município.
Porém, pelo segundo prejuízo, Evalker talvez não consiga ser ressarcido. É que quase dez anos após ter ganhado a causa, o empresário ainda não recebeu o dinheiro do precatório. A demora, que aos olhos de Evalker parecia ser mais um entrave burocrático da Justiça, foi justificada pela desorganização e falta de controle da Divisão de Precatórios do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, do qual a servidora Carla Ubarana confessou ter desviado quase R$ 20 milhões com a suposta ajuda dos desembargadores Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro, ex-presidentes do tribunal. Evalker, assim como muitos potiguares, tem se questionado sobre a credibilidade da Justiça.
Atualmente a lista de espera organizada pelo setor de Precatórios contabiliza 5.686 pessoas somando os precatórios devidos pelo Estado e pelo Município de Natal. A quantidade ainda deve aumentar muito se computada nessa conta as dívidas dos outros 166 municípios potiguares. Esses credores esperam o pagamento de causas ganhas na Justiça contra os respectivos entes públicos. Processos que, conforme a Constituição Federal, deveriam durar no máximo um ano e meio, mas que têm deixado pessoas na fila por em média dez anos. A falta de cumprimento da legislação por parte dos Estados e de organização nos setores responsáveis pelo pagamento dos precatórios em quase todos os tribunais do país são alguns dos fatores que fomentam essa espera permanente. Agora, após o desvio do setor de precatório do TJ e de seis meses sem realizar pagamentos em razão das investigações feita por uma comissão de sindicância interna, o Tribunal de Justiça promete mudar essa situação. Vai voltar em junho a fazer os pagamentos de forma organizada e transparente.
No próximo dia 4, primeira segunda-feira do mês de junho, Evalker pretende ir ao TJ saber quando e como será feito o pagamento do seu precatório. Assim que saíram as informações de desvios nos precatórios, o dono de padaria tratou logo de procurar o setor para saber como ficaria sua situação, já que é o quarto na fila dos precatórios a serem pagos pela Prefeitura de Natal. "Eles disseram que estavam colocando os 'pontos nos is' e em junho voltava", explicou. O empresário conta que sua espera começou em 2003, quando ganhou uma causa em que reclamava da TIP abusiva cobrada na rua do seu estabelecimento. "A ação foi rápida. Em 2003 mesmo eu entrei na fila do precatório", salientou. Evalker lembrou que chegou a conversar com Carla Ubarana para saber sua situação, que lhe disse não ter previsão de pagamento. "Eu nem sei direito quanto eu tenho para receber e meu advogado já faleceu", apontou.
O dinheiro recebido através do precatório deverá servir para Evalker pagar dívidas, principalmente de impostos, que segundo ele, aumentaram muito. Ele disse que prefere acreditar que não seja verdade o envolvimento dos desembargadores nos desvios do TJ. Na opinião do empresário, caso seja comprovada a participação dos magistrados, a sociedade pode se sentir desprotegida. "Quando alguém tem alguma coisa acontecendo de errado, procura à Justiça e vai com toda confiança", sentencia, para contrapor como será decepcionante não acreditar mais no Judiciário brasileiro.
Longa espera
Entre os membros da comissão que investiga os desvios dos precatórios, está o juiz Luiz Alberto Dantas, que deve ficar como juiz coordenador do setor depois de encerradas as investigações. O último relatório da comissão foi entregue ontem, terminou o trabalho de investigação. A reportagem procurou o magistrado, que atua há 15 anos na Vara da Fazenda Pública tratando rotineiramente de precatórios, para tentar entender por que as pessoas aguardam tantos anos para receber as indenizações conquistadas na Justiça contra os entes federativos.
Um dos primeiro pontos a ser considerado quando for tratar da demora em torno dos precatórios é que o processo contra o ente público demora mais que o normal, visto que o mesmo possui privilégios na relação processual, garantidos pela Constituição. Além disso, os prazos para o poder público são maiores. As ações de execução também são diferentes. O juiz não pode, por exemplo, pedir a penhora dos bens do ente público, como faz com os particulares. Quando se trata de um precatório, o juiz notifica o poder público, Estado ou Município - também chamados genericamente de Fazenda Pública. Ambos podem pedir embargo à execução, paraque a ação não seja executada ou paga, questionando valores, planilhas, etc. O magistrado volta a julgar a ação e se houver diferença de valores convoca um perito para depois emitir sua decisão. Passado todos esses questionamento a Fazenda Pública ainda pode entrar com recursos nos Tribunais Superiores, já que não paga custas e taxas para interpor recursos. "Ele [poder público] vai até a última instância", confirmou o juiz.
Luiz Alberto Dantas esclareceu que encerrados esses procedimentos, o juiz expede a requisição de pagamento ao Tribunal. No caso, os créditos de até vinte salários mínimos são chamados de Requisições de Pequeno Valor (RPV) e os valores maiores são denominados de Precatórios. Conforme a Constituição, o Estado deve incluir no orçamento para ser pago até o final do exercício financeiro do ano seguinte as requisições que cheguem até 1º de julho do ano corrente. Por exemplo, caso algum precatório chegue até 1º de julho de 2012, ele deve ser pago até dezembro de 2013.
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