Quem se preocupa com o papel nefasto que as drogas hoje ilícitas desempenham na corrosão de valores e vidas humanas em escala industrial precisa refletir sobre duas decisões adotadas na semana passada por uma comissão de juristas que o Congresso Nacional mobilizou para discutirem propostas visando à elaboração de um novo código penal para o país.
Na prática, elas simplesmente descriminalizam o consumo dessas substâncias. A primeira medida descriminaliza o porte de drogas para consumo próprio. A segunda
descriminaliza o plantio de drogas para consumo pessoal. Se estas medidas se consolidarem, daqui por diante qualquer produtor ou traficante passará a se identificar como consumidor, e a tragédia terá se consumado.
Conservador no tocante a consumi-las, nunca, ao longo da vida, opus qualquer preconceito contra amigos que recorressem à drogas. Arrependi-me crescentemente ao verificar quantos se perderam nessa jornada, morrendo em overdoses ou sacrificando famílias e carreiras no altar do vício.
Acho, entretanto, uma hipocrisia o tratamento dúbio que as camadas superiores da sociedade brasileira querem continuar a dar às drogas: elas querem condenar o traficante peba, de pé de morro, subúrbio e beira de praia, social e geograficamente distante de si, e ao mesmo tempo proteger o consumidor situado em suas mansões e apartamentos de luxo, os quais se valem exatamente desses vendedores.
Há como negar a imensa contribuição que as drogas ilícitas emprestaram ao aumento da violência na sociedade moderna? Pensando bem, são poucas as ilicitudes e os crimes cometidos topicamente no território nacional que não têm como motivação emocional os impulsos proporcionados pela aspiração ou ingestão de substâncias ainda ilícitas. A princípio, isto era privilégio das camadas "inferiores"; paulatinamente, porém, as drogas subiram aos apartamentos social e fisicamente mais elevados, nivelando por baixo uma grande marginalia.
Mercê de uma cultura de proteção, porém, a família não enxerga o fato de o tráfico de drogas só se expandir exatamente porque os mais ricos se tornaram as suas melhores presas. Perdoar o consumidor é deixar de vê-lo como o pior elo dessa corrente perniciosa.
FONTE: ROBERTO GUEDES
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