Por Josias de Souza
Saiu pela culatra o plano de Dilma Rousseff de liderar o processo que levaria à aprovação de uma reforma política. A proposta da presidente de realizar um plebiscito em ritmo de truque cinematográfico não foi bem digerida pelos congressistas. Até os seus aliados viram na iniciativa uma manobra para jogar as ruas contra o Congresso. De todas as reações, a do PMDB foi a mais eloquente.
Em duas reuniões –uma da bancada de deputados federais e outra da Executiva nacional—, o partido do vice-presidente da República tomou distância do plebiscito na modalidade ligeira, tal como sugerido por Dilma. E aproximou-se de teses defendidas pela oposição.
O PMDB enrolou-se na bandeira do enxugamento do número de 39 ministérios, decidiu desengavetar o projeto que destina 10% da arrecadação federal para a saúde e quer elevar a participação de Estados e municípios no bolo de tributos arrecadados pela União. Simultaneamente, cobra do governo respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Tomando-se a sério todas as deliberações, haveria um novo PMDB na praça. Um partido cuja principal característica seria o desapego pelos cargos. Considerando-se o histórico da legenda, é mais lógico concluir que os aliados de Dilma tentam devolver para o colo dela a batata quente assada nas ruas. A reformulação do sistema de representação política não é a prioridade do meio-fio, eis o recado do PMDB para Dilma.
E quanto ao plebiscito? Bem, a bancada de deputados do PMDB informou em nota que irá se empenhar pela aprovação imediata da reforma política. Consulta popular? Só se for em 2014, junto com as eleições. Sem custos para o contribuinte. Em encontro que terminou perto da meia-noite, a Executiva nacional do PMDB também aprovou uma nota.
Nesse texto, a Executiva atenua a versão dos deputados sem desautorizá-la. Anota que o PMDB buscará a aprovação de uma reforma política já. Obtendo-a, seria levada a referendo em 2014. Simultaneamente, mantém-se o plebiscito em cena como um objetivo retórico. Ficou entendido que o PMDB descartou, por irrealizável, a ideia de preparar o questionário do plebiscito, aprovar um projeto de resolução, ouvir o povo e, depois de tudo isso, ainda entregar uma reforma pronta nos primeiros dias de outubro, em tempo de vigorar nas próximas eleições.
Descrente em relação ao plebiscito, o PMDB foi afirmativo quanto ao resto. O PMDB da Câmara escreveu na sua nota: “A bancada sugere ao governo, para uma demonstração de austeridade, a imediata redução do número de ministérios.” O texto informa que a legenda irá “propor medida legislativa nesse sentido.” Mais: os deputados avaliam que o partido deve abrir mão, “se necessário”, dos seus próprios feudos na Esplanada. São cinco os ministérios chefiados pelo PMDB: Agricultura, Turismo, Aviação Civil, Minas e Energia e Previdência.
Na outra nota, a Executiva nacional do PMDB ecoou os deputados no trecho em que pregam o ministério menor, como prova de austeridade. A diferença é que o texto da Executiva não faz menção à hipótese de devolução das pastas chefiadas por prepostos da legenda. Presidia essa reunião um constrangido Michel Temer.
Numa tentativa de evitar o pior, Temer articulara a redação de um texto com as deliberações da Executiva. O amigo Geddel Vieira Lima, presidente do PMDB da Bahia e autor do requerimento que convocou a Executiva, estranhou o método. Como o colegiado pode ter tomado decisões antes de se reunir?, indagou. Passou-se, então, a adicionar pimenta no documento de Temer. Os 10% para a saúde, a prioridade para a redefinição do pacto federativo, a responsabilidade fiscal…
Os dois encontros foram marcados pela acidez. Num instante em que despenca nas pesquisas, Dilma foi duramente criticada. Na reunião da bancada, o deputado Newton Cardoso (PMDB-MG), personagem de má fama, chegou mesmo a propor o rompimento da aliança que une o partido ao PT e a Dilma.
Na reunião da Executiva, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) ironizou alguns dos temas que Dilma sugeriu ao Congresso que fossem inseridos no plebiscito. Ele acha que Dilma jogou para a plateia ao propor, por exemplo, que a consulta inclua o fim do voto secreto no Congresso. Requião viu na esperteza as digitais do marqueteiro João Santana. E animou-se a sugerir que o povo seja consultado também sobre o fim do sigilo nos gastos com viagens e cartões da Presidência.
Michel Temer não se animou a prolongar o debate. Ele ajudara a redigir o texto da menagem de Dilma ao congresso. Acompanhara o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) no ato de entrega da peça aos presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves, e do Senado, Renan Calheiros. A propósito, Renan não deu as caras no encontro da Executiva. Presidia uma sessão norturna do Senado. Henrique chegou na fase final, a tempo de referendar o texto.