Euripedes Dias

sábado, 19 de maio de 2012

"A magistratura se sente consternada com tudo isso"


Consternados. É assim que a presidente da Associação de Magistrados do Rio Grande do Norte, Hadja Rayanne de Holanda Alencar, define o ânimo dos juízes potiguares por conta da crise no Tribunal de Justiça do RN. Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, a presidente da Amarn defendeu a "democratização" da escolha do presidente do Tribunal, com um sistema onde os juízes elegem o ocupante da presidência, além de elogiar a postura do TJRN durante a investigação no setor de precatórios. "Nos outros estados a crise surgiu a partir de denúncias externas, seja de advogados, das partes ou do Ministério Público. Mas aqui foi uma inspeção interna, iniciada pela própria presidente do TJRN. Isso representa um avanço, uma maturidade, uma evolução institucional", diz. Apesar de reconhecer os fortes indícios,  Hadja Rayanne de Holanda afirmou que não pode haver pré-julgamento com relação aos dois desembargadores afastados pelo Superior Tribunal de Justiça.

Adriano AbreuHadja Rayanne de Holanda Alencar, presidente da Associação de Magistrados do Rio Grande do Norte: Estamos esperando, como toda sociedade, que seja definido se os desembargadores são culpados. Os indícios são fortes. É preciso reconhecer. Mas não podemos fazer qualquer tipo de pré-julgamento.
Hadja Rayanne de Holanda Alencar, presidente da Associação de Magistrados do Rio Grande do Norte: Estamos esperando, como toda sociedade, que seja definido se os desembargadores são culpados. Os indícios são fortes. É preciso reconhecer. Mas não podemos fazer qualquer tipo de pré-julgamento.
A senhora está presidente há quanto tempo?

Há cerca de dois meses e já assumimos no olho do furacão...

A senhora se refere à crise no Judiciário potiguar?

Sim, o judiciário passa por um momento muito difícil. Esse sentimento está bem sedimentado na magistratura. A expressão mais correta é consternada. É assim que a magistratura se sente. O povo tem direito a um judiciário isento, com uma imagem preservada, passando confiabilidade para a sociedade. Nós temos duas preocupações principais: uma, já externada, é que haja uma apuração completa. Isso é mais do que necessário, nós devemos isso à sociedade. A segunda é preservar a imagem dos colegas. A sociedade precisa saber que nós temos 176 juízes no Estado e não é possível que todos paguem com suas imagens por algum erro ou infração cometida por alguém. A generalização num caso como esse é muito boa para os culpados. Ela, a generalização, acaba dividindo as responsabilidades e transformando a transgressão numa coisa normal, ao invés de exceção. E não é. A regra é um trabalho correto, bem feito, bem dirigido.

Então, nós, da Amarn, estamos esperando, como toda sociedade, que seja definido se os desembargadores são culpados. Os indícios são fortes. É preciso reconhecer isso. Mas não podemos fazer qualquer tipo de pré-julgamento porque os dois, como qualquer cidadão, têm direito a defesa e de ser considerados inocentes até que se prove o contrário. Contudo, os indícios são mesmo muito fortes e a sociedade está exigindo da gente uma postura proativa. Se a sociedade tiver confiança, nós iremos mostrar que a magistratura é maior e melhor do que isso. E que esses fatos não nos definem.

Outros Estados do Brasil também passam por isso. O Poder Judiciário passou muito tempo "fechado"?

Sim. A visão de hoje da magistratura é que o CNJ veio para contribuir com esse processo. Não que a gente ache que ele não erre. Temos batalhado para solucionar isso. Mas de um modo geral os tribunais costumavam ser muito fechados em termos de fiscalização. O serviço público em geral costuma lidar mal com as controladorias, com o controle geral. Algumas pessoas vêem um caso como esse dos precatórios como um retrocesso. Mas na minha visão é justamente o contrário. De certa maneira é um avanço. Especialmente aqui no Rio Grande do Norte. Nos outros estados a crise surgiu a partir de denúncias externas, seja de advogados, das partes ou do Ministério Público. Mas aqui foi uma inspeção interna, iniciada pela própria presidente do TJRN. Isso representa um avanço, uma maturidade, uma evolução institucional. 

Que ações a Amarn sugere?

A Amarn deu a sugestão, que foi bem recebida, que essas inspeções abranjam os outros setores do Tribunal, e não somente os precatórios. Os que foram citados e os que não foram citados. Claro que isso demanda tempo.

Além disso, a Amarn considera imprescindível a democratização do Judiciário. Existe uma PEC proposta pelo senador Eduardo Suplicy (PT), e a Amarn abraçou essa ideia, para que os juízes elejam o presidente dos tribunais. Os juízes precisam eleger os presidentes dos tribunais porque nós arcamos com todos os atos que eles praticam e não temos nenhuma ingerência na forma como eles chegam lá. 

A Amarn está propondo a realização de um fórum com a participação do senador e que reúna todas as associações do Nordeste. Isso é importante porque no momento que você vota em alguém, existe o estabelecimento de metas, a cobrança por isso, etc. Nós entendemos que essa é uma forma extremamente importante de controle.

A investigação dentro do TJRN foi atribuída por muitos a uma decisão pessoal da presidente Judite Nunes. Qual a importância de que isso se torne uma postura institucional?

Justamente por isso fizemos o requerimento para se inspecionar outras áreas do Tribunal Assim como não sabíamos o que acontecia no precatório, pode haver problemas em outros setores do TJ. Essa vigilância tem que ser constante. Essa é uma cobrança antiga. Com a democratização da escolha do presidente do Tribunal, com certeza haverá a cobrança para que essa postura, de investigar, seja permanente. Nós não podemos mais ser surpreendidos por notícias como essa do setor de precatórios. Há o medo natural de expor a instituição e do descrédito. Mas acho que o descrédito vem de não investigar esse tipo de situação. É importante apurar tudo para evitar o descrédito.

Como está a questão das condições de trabalho do juiz? Há dificuldade por conta do déficit?

Nós temos um pleito por um concurso de Juiz já há algum tempo. E não só para juiz, mas para funcionários também. Porque não adiante jogar só o juiz lá sozinho, porque ele vai fazer a sentença e não vai ter ninguém para intimar, por exemplo, para operacionalizar e dar seguimento ao processo. Esso é um problema que nós já temos há 11 anos. Eu não conheço um Estado do Brasil que passou uma década sem concurso para juízes. Porque juiz envelhece, faz outro concurso, vai embora. Tem todas essas questões que vão diminuindo numericamente o número de juizes.  A questão do concurso é urgente. Tem que ser feito agora. 

Quando eu vou a qualquer evento no interior, os advogados me procuram. Você sabe que, principalmente no interior,  se não há o juiz na cidade, cresce a criminalidade, cresce a informalidade, etc. Quer dizer, todas as mazelas da sociedade, que o juiz pode ir coibindo lá no seu gabinete, elas se exacerbam. Mas, pelo que eu sei, a Fundação Carlos Chagas já foi contratada e o concurso deve ter o edital publicado em pouquíssimo tempo. Acho que foi uma falha administrativa do Tribunal, dessas últimas gestões principalmente, porque até quatro, cinco anos atrás, a gente ainda tinha o interior suprido.

Os juízes no interior acumulam a responsabilidade eleitoral também?

 Sim. E é um período extremamente delicado. O ideal seria o juiz estar na cidade todos os dias porque do contrário o processo eleitoral vai se tornando sem controle. Hoje em dia o juiz é muito vistoriado em número. O que é uma coisa correta. Como nós realizamos um trabalho intelectual, já se tentou a fiscalização do juiz em torno de horário, mas isso não é adequado, porque eu posso passar o dia aqui no gabinete e não produzir absolutamente nada. Então o CNJ inverteu esse  jogo e passou a nos investigar, a nos avaliar por produtividade. E a produtividade ela é diretamente ligada à existência de mão de obra. Nós já fomos o sétimo tribunal do país em cumprimento de meta. Hoje nós estamos entre os quatro piores. Então, esse desabamento, o juiz fica muito constrangido, porque na verdade o juiz que está aqui, ele está trabalhando mais, isso é uma coisa que não sabem. Nós damos mais decisões do que a média nacional, mas não conseguimos compensar os que estão faltando. Os 170 que existem não conseguem compensar os 100 que estão faltando. 

Como a senhora vê a indicação de cargos no Tribunal de Justiça e no próprio Poder Judiciário? Há cargos demais? A indicação é técnica ou é por apadrinhamento?

A Amarn não sabe quantos cargos comissionados existem. Agora, a existência do cargo comissionado é uma tradição no nosso país. Hoje, o Tribunal não tem o excesso numérico de cargos comissionados. A questão é que a grande maioria dos cargos em comissão estão no próprio Tribunal.  Não está dividido para todo o Judiciário. Hoje, há limites para cumprir. O CNJ determinou que não pode ultrapassar a quantidade de 50% dos cargos com comissionados. A nossa questão não é numérica. O que a Amarn tem é um requerimento no CNJ entendendo que o número de funcionários é mal distribuído. É muito mais forte no Tribunal de Justiça que no primeiro grau. A magistratura em si acaba saindo prejudicada. Nós fizemos o pedido ao CNJ para que houvesse essa redistribuição de servidores. Foi feito no ano passado e irá ganhar continuidade esse ano. Você diz que não tem ideia desse número e eu também não tenho. É preciso que a gente tenha a documentação necessária para averiguar. Mas o funcionário comissionado é importante para o funcionamento do sistema. Ele permite uma exigência maior. Hoje, o juiz da capital só tem um cargo comissionado. Quando eu estava na ativa, essa pessoa era a que, se fosse preciso alguma assessoria às 20h, eu ligaria para ele e diria: "Faça uma pesquisa pra mim que eu preciso despachar uma liminar urgente".

fonte: tribuna do norte

E em relação à influência de desembargadores e ex-desembargadores nessa indicação no TJRN, algo tão comentado por advogados e outras pessoas do meio, qual a posição da Amarn?

Não sei bem como funciona, mas acredito ser mesmo assim. Eles quem indicam, cada um indica uma quantidade "x" de cargos, pelo que se sabe.

Essa seria a forma mais correta?

Não, não seria. Os colegas mais cuidadosos fazem inclusive uma pequena seleção. Não estou querendo dizer que os ocupantes de cargos comissionados não são competentes. Não se trata. É que como modo de escolha não é a forma mais adequada.

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