Foto: Carlos Moura/SCO/STF
O ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou nesta segunda-feira (27) a abertura de inquérito para investigar as acusações que Sergio Moro fez contra o presidente Jair Bolsonaro ao pedir demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O magistrado atendeu a um pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), que solicitou autorização do Supremo para apurar o relato do ex-ministro da Justiça.
Celso de Mello também autorizou a oitiva de Moro, a ser realizada em até 60 dias.
O ministro do Supremo solicitou ainda que a PGR se manifeste sobre pedido feito pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para que seja apreendido e periciado o celular da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que teve mensagens trocadas com Moro divulgadas pelo próprio ex-ministro.
Celso afirma que não há na Constituição nada que impeça a investigação.
“Em suma: nem a imunidade formal prevista no artigo 51, inciso I, da Constituição Federal, tampouco a cláusula de exclusão inscrita no artigo 86, § 4º, dessa mesma Carta Política, inibem a possibilidade de instaurar-se, na espécie, procedimento de investigação penal, para o fim de coligir elementos de prova, em ordem a apurar a materialidade de eventos supostamente delituosos cuja autoria possa vir a ser atribuída ao Senhor Presidente da República”, ressalta.
Moro acusou o chefe do Executivo, na última sexta-feira (24), de querer interferir na autonomia da Polícia Federal. De acordo com ele, a intenção de Bolsonaro ao trocar o comando da PF seria aumentar a influência na corporação para ter acesso a informações sobre investigações em curso.
“O presidente queria alguém que ele pudesse ligar, colher informações, relatório de inteligência. Seja o diretor, seja o superintendente”, afirmou Moro.
Em sua decisão, Celso de Mello disse que “ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso país”. “Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado”, afirmou.
O ministro do Supremo ressaltou que “a sujeição do presidente da República às consequências jurídicas e políticas de seu próprio comportamento é inerente e consubstancial ao regime republicano, que constitui, no plano de nosso ordenamento positivo, uma das mais relevantes decisões políticas fundamentais adotadas pelo legislador constituinte brasileiro”.
Moro relata que teria afirmado ao presidente que não seria adequada a troca de comando na polícia, mas, diante da insistência de Bolsonaro, resolveu pedir para deixar o governo.
“Falei que seria uma indicação política, ele disse que seria mesmo”, revelou Moro, em referência à exoneração de Maurício Valeixo da chefia da PF para que fosse colocado alguém próximo ao chefe do Executivo.
Com o inquérito aberto, a Polícia Federal também passa a participar das investigações. Geralmente, o responsável por casos como esse é escolhido aleatoriamente entre os delegados responsáveis por atuar especificamente nas apurações determinadas pelo STF.
No pronunciamento em que se despediu do Executivo, Moro também revelou não ter assinado a demissão de Valeixo da PF, como foi publicado inicialmente no Diário Oficial e alardeado pelo chefe do Executivo e outros integrantes do governo. Uma nova versão do ato foi publicada posteriormente, sem a assinatura de Moro.
Na decisão, o ministro afirma que os fatos narrados por Moro revelam “práticas alegadamente delituosas que teriam sido cometidas pelo senhor presidente da República em contexto que as vincularia ao exercício do mandato presidencial”.
O ministro também ressalta que não é necessária autorização do Congresso para investigar o presidente. O Legislativo tem de autorizar, porém, a abertura de ação penal caso a investigação tenha como consequência a apresentação de denúncia da PGR contra Bolsonaro.
“Enfatize-se, bem por isso, que eventual investigação penal contra o chefe de Estado terá livre curso perante o Supremo Tribunal Federal, sem necessidade de prévia autorização da Câmara dos Deputados, eis que —conforme advertia a jurisprudência desta corte em relação aos congressistas— a prerrogativa extraordinária da imunidade em sentido formal não se estendia nem alcançava os inquéritos policiais que houvessem sido instaurados contra deputados federais ou senadores”, escreve.
O magistrado também argumenta que a forma republicana de governar exige “um regime de responsabilidade a que se deve submeter, de modo pleno, dentre outras autoridades estatais, o próprio Chefe do Poder Executivo da União”.
No pedido de abertura de inquérito, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que, em tese, oito crimes podem ter sido cometidos. São eles: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crimes contra a honra.
A Folha apurou que os três últimos crimes podem ter sido cometidos, em tese, por Moro. Já o chefe do Executivo pode ser enquadrado nos outros cinco delitos e também no de prevaricação.
“A dimensão dos episódios narrados, especialmente os trechos destacados, revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”, disse Aras no pedido para instauração de inquérito.
Com a decisão de Celso de Mello, o presidente da República e o ex-juiz da Lava Jato passam a ser considerados tecnicamente investigados.
A Constituição prevê que o Legislativo tem de autorizar que uma denúncia contra o chefe do Executivo prossiga e seja julgada pelo STF. A jurisprudência do Supremo, porém, permite que o presidente seja investigado sem autorização do Congresso.
Portanto, caso a PGR encontre elementos contra Bolsonaro e decida denunciá-lo, será necessário voto favorável de dois terços da Câmara dos Deputados para que as apurações e a eventual condenação de Bolsonaro tenha continuidade enquanto ele estiver no cargo.
Os favoritos para ocupar os cargos deixados por Moro e Valeixo são dois nomes muito próximos a família Bolsonaro. No Ministério da Justiça e Segurança Pública deve assumir Jorge Oliveira, atual ministro da Secretaria-Geral. Oliveira foi chefe de gabinete do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), além de padrinho de casamento do filho do presidente.
O pai do ministro, o capitão do Exército Jorge Francisco, morto em abril de 2018, trabalhou no gabinete de Jair Bolsonaro por mais de 20 anos quando ele ocupou uma das cadeiras da Câmara.
Já para a PF deve ser escolhido Alexandre Ramagem, atual diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e amigo de Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro e filho do presidente investigado pela PF por integrar uma rede de disseminação de notícias falsas.
No pronunciamento em que anunciou o pedido de demissão, Moro também revelou que o chefe do Executivo tem preocupação em relação a inquérito em curso no Supremo.
“O presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no STF e que a troca seria oportuna na Polícia Federal por esse motivo”, disse na última sexta-feira.
FolhaPress
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