Desde que assumiu o cargo, o presidente Jair Bolsonaro ensaiou em mais de uma oportunidade mudar o comando da Polícia Federal, minando a influência do ministro da Justiça, Sergio Moro, sobre a cúpula da corporação. Tentativas de ingerência se deram com a abertura e o avanço de investigações contra pessoas do entorno do mandatário.
O incômodo de Bolsonaro com o trabalho da PF aumentou recentemente por causa dos inquéritos que apuram um suposto esquema de fake news para atacar autoridades, entre elas alguns de seus adversários políticos, e as manifestações pró-golpe militar promovidas por grupos bolsonaristas — no domingo (19), o presidente participou de uma delas, em Brasília.
Os dois casos, sob relatoria do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, devem ser tocados por uma mesma equipe de policiais, o que desagrada ao presidente.
Conforme adiantou a Folha, Moro pediu demissão a Bolsonaro ao ser informado pelo presidente da decisão de trocar a diretoria-geral da PF, hoje ocupada por Maurício Valeixo. Bolsonaro acionou ministros militares para tentar demovê-lo da decisão. Uma solução tem sido negociada para que o ministro fique no cargo.
A apuração sobre fake news, aberta pelo próprio STF, envolve a suspeita de que filhos de Bolsonaro, entre eles o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), estejam por trás de um gabinete do ódio supostamente mantido pelo Palácio do Planalto para atacar desafetos políticos.
Essa hipótese também foi levantada em Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre o caso no Congresso.
A investigação sobre os atos antidemocráticos, proibidos pela Constituição e a Lei de Segurança Nacional, foi aberta a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras. Ela mira empresários e ao menos dois deputados federais bolsonaristas por, possivelmente, terem organizado e financiado os eventos. Os nomes são mantidos em sigilo pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
Um dos primeiros incômodos do presidente com a PF na gestão Moro se deu no início do mandato, com a instauração de inquérito contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, para apurar esquema de candidaturas laranjas do PSL em Minas Gerais, caso revelado pela Folha.
Em outubro, o ministro foi denunciado à Justiça sob acusação de falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa.
Apesar do constrangimento gerado pela situação, o presidente manteve o aliado no cargo. Em mais de uma oportunidade, demonstrou irritação com as conclusões sobre o caso.
Ainda em outubro, ele disse que o responsável pela investigação na PF “agiu de má-fé”, que houve “exagero” no inquérito e que a intenção não foi atingir o ministro, mas o presidente da República.
A reação se deu após a Folha noticiar que um depoimento e uma planilha obtidos pela Superintendência da PF em Minas sugerem que recursos do laranjal foram desviados para abastecer, por meio de caixa dois, a campanha presidencial de Bolsonaro.
Dois meses antes, o presidente havia gerado instabilidade na PF ao anunciar que trocaria o superintendente do órgão no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, por questões de gestão e produtividade.
Foi rebatido por uma nota da própria corporação, que informou que a mudança de comando já vinha sendo debatida internamente e havia sido solicitada pelo próprio policial, não tendo relação com seu desempenho.
Bolsonaro subiu o tom e declarou que quem dava as ordens na polícia era ele próprio. “Se ele resolveu mudar, vai ter que falar comigo. Quem manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu”, declarou.
Na ocasião, Moro estava enfraquecido pela divulgação de mensagens que mostraram sua atuação em parceria com os procuradores em diferentes processos da Lava Jato e que colocaram em xeque sua atuação como juiz federal.
A crise aberta pela investida do presidente quase resultou na saída do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, mas amainou depois que Bolsonaro recuou e Moro manteve tanto o diretor quanto outras pessoas de sua confiança em cargos-chave da corporação.
A PF do Rio passava por momento delicado na ocasião, especialmente após vir à toda o caso Fabrício Queiroz, PM aposentado e ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia do Rio. Ele é o pivô da investigação do Ministério Público do Estado que atingiu o senador, primogênito do presidente.
A apuração começou após um relatório do extinto Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), então ligado ao Ministério da Economia, apontar movimentação de R$ 1,2 milhão na conta do ex-assessor entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.
A suspeita do MP do Rio é de que o dinheiro seja de um esquema de “rachadinha” —quando funcionários são coagidos a devolver parte de seus salários aos deputados.
Esse caso, especificamente, não está com a PF, mas o órgão tocava na época investigações envolvendo personagens em comum.
FOLHAPRESS
Sem comentários:
Enviar um comentário