O governo vai agir em três frentes para tentar sair da paralisia política e econômica: concentrar ataques no que considera abusos da Operação Lava-Jato e do juiz Sérgio Moro; retomar a guerra contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ); e apostar na força da militância petista nas ruas.
A reação às investigações é o resultado mais evidente, e o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, demonstra disposição para ampliar o controle disciplinar da Polícia Federal (PF) para impedir vazamentos e estuda até mesmo interpelar Moro formalmente.
Neste fim de semana, Aragão declarou que vai afastar policiais envolvidos em divulgação de informações sigilosas. Ele ressaltou, no entanto, que está mirando em investigadores que cometem crime de vazamento e não pensa em interferir no conteúdo das investigações. As medidas judiciais contra Moro, ainda em estudo, seriam adotadas por conta da divulgação da escuta que flagrou Lula e a presidente Dilma Rousseff.
Na avaliação dele, por ser detentora de foro no Supremo Tribunal Federal (STF), Dilma não poderia ter um diálogo liberado para divulgação por um juiz de primeira instância. Na mesma linha, deputados do PT anunciaram que irão ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz.
— Moro abusou. E o governo está respondendo aos abusos. Não é estratégia política, é uma reação a uma investida sem limites com foco no PT. Além disso, o governo vai retomar o ataque contra Cunha, que tem como objetivo entregar a Temer, seu aliado, o poder — argumentou uma fonte do Palácio do Planalto.
Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, o novo ministro declarou que “cheirou vazamento de investigação por um agente nosso, a equipe toda será trocada”. Ao GLOBO, Aragão disse que adotará essa conduta se houver fundada suspeita de vazamento.
No discurso que já começou a empregar para alimentar a militância, governo e PT, agora mais amarrados do que nunca, acusam Moro de estar empenhado em uma cruzada persecutória contra Dilma e Lula. E de ter cometido abusos, contra os quais o governo não pretende se calar. Paralelamente, será retomada a guerra contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que resolveu aproveitar o enfraquecimento do governo para correr com o processo de impeachment. Eleger Cunha como inimigo, na avaliação de interlocutores de Dilma, já se mostrou eficiente junto à opinião pública.
APOSTA EM LULA COMO ARTICULADOR
O governo se animou com a multidão que conseguiu mobilizar em defesa da presidente Dilma e de Lula anteontem — na Avenida Paulista, a massa ocupou 11 quarteirões, uma extensão considerável (embora bem menor do que a tomada por manifestantes a favor do impeachment no domingo passado, correspondente a 23 quarteirões). Para aliados de Dilma, os manifestantes pró-PT mostraram a força e a capacidade de reação que o governo ainda tem.
— Uma reação nas ruas mostra que o governo tem força e respaldo da população. Contamos com uma importante capacidade de mobilizar as ruas. A saída da crise certamente passa por esse caminho e por outro, que é a nossa condição de refazer as pontes no campo institucional, restabelecendo o diálogo com o Congresso — disse um ministro, que pediu para não ser identificado.
Ao longo de toda a sexta-feira, petistas monitoravam, de dentro do Palácio do Planalto, a movimentação das ruas e comemoravam as adesões.
Ao fim do dia, um grande fluxo de funcionários trocava a roupa de trabalho pelas camisetas vermelhas e marchava da sede do Executivo Federal para o Museu da República, onde se concentrou o ato pró-governo em Brasília. Muitos apontavam a presença de Lula no ato de São Paulo como fiador do sucesso de participação do público nos movimentos Brasil afora.
— O Lula é o Lula. Tem jogo. Vamos para a guerra — comentou um funcionário com um colega, ainda em horário de expediente.
Além da trincheira das manifestações, o governo aposta na habilidade que o ex-presidente tem como negociador político. A “prioridade das prioridades”, segundo um auxiliar presidencial, é Lula conversar com os deputados minimamente próximos ao governo que integram a Comissão do Impeachment para tentar garantir votos pró-Dilma.
A tarefa não é considerada simples porque há um desgaste imenso na relação do Planalto com a Câmara e também porque o Executivo não tem muito a oferecer em troca do apoio. No entanto, há forte esperança de que o ex-presidente use de seu “magnetismo político” e, nas conversas cara a cara que manterá com os deputados, conquiste os votos de que o governo precisará para barrar o impeachment.
Lula vai usar a intuição, algo que está faltando em doses cavalares nesse governo. Ele deve focar no Congresso, mas precisa dar alguma coisa que o Congresso possa oferecer à sociedade. Tem que construir uma narrativa, porque sabe que, do jeito que está, só pedir não adianta — disse um auxiliar do Palácio próximo ao ex-presidente.
Além do tête-à-tête com membros da Comissão do Impeachment, Lula vai se empenhar para evitar um desembarque definitivo do PMDB do governo. Nesse campo, seus alvos são o vice, Michel Temer (SP), e o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL). A negociação, como sempre, se dará em torno de cargos e espaços no Executivo. Quem trabalha com Dilma menciona que o ex-presidente traz na bagagem um histórico de boa relação com a sigla do vice.
— Os espaços no governo são volúveis. Sempre há lugares que podem ser mexidos: ministérios, superintendências etc. — aponta um assessor no Planalto.
O Globo